A dor mata-a por dentro. Corroí-lhe a carne. As noites arrefecidas e lentas, inventam-lhe um calor que a mina por dentro como se ele ainda a abraçasse, como se ele ainda vigiasse o seu sono e saboreassem da boca um do outro os vagos doces das uvas avermelhadas… Estremece-lhe o corpo é o hálito quente dele a pousar-lhe nos ombros, uma carícia que a agasalha. A carícia que a veste nesta ausência…
Sobrevoa em silêncio o olhar pelas paredes enlutadas, abeira-se da madrugada com o rosto dele nas mãos…
Assim se fazem os dias entre o desbotado e a claridade difusa…
Rosa Fonseca
© Reservados os direitos de autor
Photo: Elena Oganesyan
Ela acreditava no amor...acreditava no mar, na sua força e persistência em beijar o areal sempre
em espera...
Ela acreditavanas profecias e em tudo que não via...acreditava na mansidão e suavidade das
rosas a soltarem-se da terra...
Ela acreditava tanto no seu corpo - sempre quente - que ao mais pequeno tremor desfazia os
dias nas mãos...
Clara vivia de um brilho inventado - afagado aos olhos - um gesto guardado no fundo do peito...
O mesmo peito contorcido e inquietamente moído...uma dor que ardia desesperançada, ali junto à
janela esbatida...
Clara abotoava-se ao corpo - estrangeiro - e velozmente desapareciam -lhe do quarto os gestos e
feições...
Clara já não via que as luzes vermelhas das casas iam esmorecendo...
Ela pousou o verão e o cheiro a mar nas saudades do corpo afogueado...
Clara aproximou-se da noite e preparou a viagem...
Rosa Fonseca
Amontoas nos olhos sombras sobreviventes de completo abandono…
Caminhei muito para chegar até aqui...
a este lugar que fiz meu
Tão meu
Que a ele pertencem todas as palavras
Que guardei no fundo ilusório
De gavetas aromatizadas a alfazema...
Cada palavra tem de mim
Os caminhos a tocar o horizonte
Salpicado de algodão doce...
Até lá…
Tudo azulece no teu olhar...
E no meu caminho
Florescem
Campos perfumados
Que embriagam
Os teus lábios dos meus
Leito de aroma azuláceo…
Rosa Fonseca
Gosto do meu pedaço de tempo...vestir-me do meu escondido silêncio e errar dentro de mim...
Fazer-me à estrada... ter desejo de manhã e afastar-me dos vales que olhei...
Trago a noite em sobressalto...esquecida de sonhos...
Rosa Fonseca, "Enquanto as rosas dormem"
Abrem-se as rosas e outra paisagem desperta no corpo quente.
É o turbilhão da cidade sob o anil dos nossos olhos...
inquietam-se sentimentos em estranhos silêncios...
Rosa Fonseca
Regressam ao horizonte todos os silêncios trazidos no voo das aves
Pousam vagarosamente o cansaço da viagem
E nos olhos forma-se uma neblina quente…
O meu corpo debruça-se na tua urgência
e subitamente a tarde comove-se
Atravessas todas as margens
Sossegas a tua boca no gotejar vermelho-vivo dos morangos
Muito doces entre os dedos a passearem no meu decote
E na minha boca
Aumentam todas as palavras presas na garganta - famintas de nós…
E uma torrente de sussurros desagua na agitada vontade do teu corpo…
Rosa Fonseca, Laçador de Nuvens, Aspas 21- Brasil
Rosa Fonseca
Gostava de ser poeta
E escrever tudo o que se aninha no peito
Ser o rio a correr dentro da tua pele
Ler no teu olhar um poema azul…
Tocar todas as florescências à tua chegada
Desaninhar os sonhos do mar
E vestir-te deles
Desanuviar os dias engenhados
Imergir nas ondas do teu olhar…
Sussurrar todas as sílabas pequeninas
Por cima das tuas mãos
E Seria ainda um poema
De travessias
De linguagem emudecida
E gestos doces
De braços apertados...
Seria um poema
De trovas e danças
De rimas a soletrar pelo teu corpo
De versos pousados nos lábios
E num murmúrio as declaração das tardes quentes…
Rosa Fonseca
(...)
Agiganta-se o prazer, um toque mais profundo na pele e faz-se ali, a casa um do outro…
Beijam-se, fazem amor, trincam morangos frescos…
Pelo quarto, uma luz coada denuncia vestígios de ternuras,
sobre os lençóis acetinados
em desalinho,
alongam-se os corpos num remanso quente …
Rosa Fonseca
excerto do texto, À flor da pele - A felicidade é uma viagem, o amor, um barco …
Há por dentro da cidade um turbilhão de palavras que chama por nós, como se fosse o mar quando nos afaga e a orla quando nos veste... Em cada umbral sopra uma ventania morna que nos apazigua o fogo que nos corre a pele – um no outro, sempre em lenta combustão…
Há pelas vielas difusas um diálogo calado como se a noite se apressasse a dançar-nos nos braços e todas as fugas fossem possíveis, como se todos os versos nos mordessem os lábios e pelo corpo corressem regatos enlaçados…
Sentimos o avesso do corpo e desfazemos todas as sombras contra as paredes caiadas…
Erguemos em silêncio, os gestos inquietos e coniventes que vagueiam entre a brisa que se solta dos olhos… um murmúrio incandescente, por dentro das nossas bocas, desliza ondeante pelo esguio dorso da tarde
Desabamos sempre numa loucura marinha que nos salitra a pele…
Adivinha-se a cidade entre o folguedo de quem trinca todas as rosas vermelhas e o eco rasgado de quem beija os seios da Terra…
Rosa Fonseca
Quando olho as tuas mãos, ainda vejo nelas os pássaros a esvoaçarem nos meus cabelos e os teus dedos a debulharem versos… escorrem mansos dos cantos soalheiros da tua boca…
Quando olho as tuas mãos, vejo nelas o teu colo quente e todas as conchas brancas que seguravas como se fossem ilhas… Ainda são as tuas mãos que me fazem regressar…
Rosa Fonseca
Depois de ti,
só o silêncio entornado sobre o meu corpo, me faz regressar…
voltar ao teu corpo
e desaguar o denso rio que (re) nasce entre os seios que me prometem o Sol…
Rosa Fonseca
Pintura de Saul Leiter
Procuro-te
No interior das rosas
No calor da tua boca
Nos (a)braços que me estendes
E te prendem à minha cintura
Procuro-te
No beijo que te desadormece os lábios carnudos
Nas fontes da tua pele
No canto profundo da noite
Nos frutos vermelhos
Doces
Sumarentos
Que amadurecem nas nossas bocas
Procuro-te
Na pluviosidade dos teus olhos
Entreabertos para os meus…
Rosa Fonseca
2016
© Reservados os direitos de autor
Photo Gibson, Ralph
American (1939)
A paisagem é indefinida
Por dentro do horizonte
Onde um vento me cresce no peito
E os gestos desfazem-se antes de nascerem…
Por dentro de mim há ainda
Uma tatuagem vaga
Encoberta
No teu ventre aberto
Até ao mar…
Ameigo-me na margem alargada dos teus braços
Agito na memória os passos que invento
Pela calçada do teu corpo
Vislumbro no teu olhar a clareira
Que habita no íntimo dos teus dedos…
Inaugura-se o gesto onde a palavra se cala e o voo se estende…
Rosa Fonseca - 2016
© Reservados os direitos de autor
Photo- Dorothea Lange