Livro ABRAÇA-ME POR DENTRO
03-02-2022 18:02
Quero que saibas
Gostava que soubesses de nós, das nossas palavras presas e caladas! Das vezes que eu te quis ao meu lado, só para tocar os teus olhos, inalar o teu perfume quando o teu rosto se diluía no meu e pressentir o rumor dos teus passos muito antes de pisares a soleira da porta. Gostava que soubesses que muitas vezes foste, em todas as primaveras, o único elo entre mim e um tempo em contramão.
Também te quero dizer que guardo a tua brandura, muito adoçada naquele café com leite, degustado pela tarde e quase sempre no mesmo local, quase sempre com o Sol a bordar-nos o rosto.
Foi o encontro do olhar, talvez um vento fugaz sobre as nossas mãos...
Mas foi a clareza do meio-dia que nos despertou.
Quero dizer-te que a minha vida, enlaçou-se na tua, assim, tão inquietamente branda.
Ah! Ainda não te disse que as romãs estão a corar. Que, em breve, me vão lembrar como já foram o sustento das nossas bocas. Gosto de te falar destas coisas simples, de que são feitos os meus dias. Das manhãs despertadas, muito cedo, junto às tuas mãos sobre os meus cabelos. Eu sei, estou a misturar-me toda, a minha conversa contigo salta de um lado para o outro. Mas é irrelevante esta (des)ordem nas palavras. Só gostava que soubesses que era nos teus braços que eu viajava. E eu, que nunca te fiz declarações de amor! Nem juras! Talvez tenhas sentido falta delas! Sempre achei que não precisavas de me ouvir dizer “amo-te”. Estava tudo declarado na pele. A infinidade dos nossos poros testemunhava todas as flores plantadas.
Sabes, nunca sufoquei lágrimas. Mas engoli todas as palavras, que eram para ti, para que renascessem todas as noites despertando os meus desejos.
Também te quero falar dos nossos sorrisos, espalhados pela casa. Muitos ainda aqui moram, tão sonoros como antes. Há uma certeza que me percorre os dias: as lembranças dos nossos braços enlaçados e muito caldeados com as conversas arroladas sobre o Jazz – e as suas origens – que nos visitava os serões. Ficávamos sempre com as notas fermentadas do Ornette Coleman e do Coltrane. Gostávamos desta quentura. Sei como gostavas do crepitar da madeira na lareira e do aroma dos taninos de um Petit Verdot que nos encorpava os sentidos.
Ah! Ainda guardo por aqui o veludo das palavras depois de alguns goles…
Quero que saibas que todas as manhãs, o meu café tem o teu gosto e acabo-o sem pressa.
Habituei-me ao teu remanso e agora sou eu a recostar-me na cadeira de verga com braços acolchoados – aquela que acolhia o teu corpo – porque ainda emana o teu calor.
Era dela que dedilhavas um sorriso claro e dizias – bom dia!
E baixavas o teu olhar ávido no decote fundo, do vestido florido. O meu rosto quase ruborizado incendiava o teu…
Às vezes, só quero sossegar as palavras e pressentir-te por aqui, neste oceano que transborda manso e mora na minha pele...
Rosa Fonseca, in, Abraça-me Por Dentro