À conversa com o meu avô – Um nó apertado pelos afetos… Avô, guarda no bolso, esta história!

09-02-2016 15:17

II - Avô, guarda no bolso, esta história!

 Iniciávamos as tardes de domingos muito acalorados. Para nós era sempre verão, avô! Mesmo quando vestias o teu casaco daquela cor que nunca defini e de uma textura indecifrável, mas que me enchia os olhos quando chegavas e me parecia sempre quente, como se me quisesses agasalhar todo. Vinhas sempre com um sorriso pendurado nos lábios e, nos bolsos, escondias os rebuçados multicolores, de frutos. Antes de os fechares na mão, já lhes ouvia o restolhar do papel transparente. Gostava de adivinhar em que mão os escondias… Empoleirava-me nos teus ombros e ficava por lá a espreitar-te os dias.

Dentro dos meus braços prendia o teu pescoço, e o aroma da água-de-colónia, que a mãe te dava pelo Natal, enchia o meu abraço.

Ficávamos por ali sentados na soleira da porta, até rumarmos ao Estádio de Futebol. Pelo caminho, mimavas as estórias que saiam como faíscas do espanto dos meus olhos. Aproveitavas e contavas as tuas, sempre pausadamente, como se as criasses ao ritmo dos nossos passos, pouco apressados. Depois, baixavas-te, encaravas o meu rosto e anunciavas que nunca saísse de perto de ti, que, no jogo, estaria muita gente-quase te ouço com a voz firme e ao mesmo tempo tão adoçada como a minha boca pelos rebuçados… Ao teu lado, tentava alinhar o meu passo com o teu – com uma enorme vontade de ser grande, como tu – entrávamos pelo portão gigante e verde que separava o Estádio do Parque. Cumprimentavas todas as pessoas e eu, cá de baixo, dos meus poucos anos, erguia o olhar para lhes acenar, como se o teu mundo fosse um bocadinho meu… Ou será, que eu era muito, o teu mundo?…Deixa, avô, estas notícias que me assaltam cá dentro ficam para depois… É domingo e joga o clube do nosso coração. Sim, avô, os meninos têm coração, mas um coração sempre a baloiçar por entre o colo dos pais e dos avós…

“Vai, vai, corre…marca…Goloooo!!!!!”

E levantavas-te impetuosamente, mãos no ar e eu seguia os teus gestos, erguia-me entusiasmado e lá me caía o boné amarelo. Era sempre assim, uma efusiva alegria e todas as bocas ganhavam vida. Era aqui que eu me sentia a crescer, não caber na camisola de riscas que a mãe gostava de tricotar e tinham sempre uma risca amarela…

É domingo, avô e trouxeste o sol no bolso, vamos guardá-lo até à noite.

Avô, às vezes, entendia o teu silêncio quando me olhavas e por isso estendia a minha mão para a teres na tua…

Rosa Fonseca - Texto editado no Jornal Diário de Aveiro

 

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